As páginas amarelas da Revista Veja de 10 de outubro de 2012 (Edição 2290 - Ano 45 - Nº 41) trouxeram uma excelente entrevista com o Dr. Harold G. Koenig,
psiquiatra, professor da Universidade Duke na Carolina do Norte, o
maior especialista mundial em estudos relacionados com religião e saúde e autor do livro Medicina, Religião e Saúde – O Encontro da Ciência e da Espiritualidade, sua obra mais recente. Ele é convertido ao protestantismo devido a sua esposa, mas trata aqui sobre religião de modo geral. Segue a entrevista de Fernanda Allegretti.
Como o senhor chegou à conclusão de que a religiosidade
aumenta a sobrevida das pessoas em até 29%?
Há uma relação significativa entre frequência da prática
religiosa e longevidade. Acredito que o impacto na sobrevida seja até maior,
algo em tomo de 35%. Três fatores influenciam a saúde de quem pratica uma
religião. [1º] O primeiro são as crenças e o significado que essas crenças
atribuem à vida. Elas orientam as decisões diárias e até as facilitam, o que
contribui para reduzir o stress. [2º] O segundo fator está relacionado ao apoio
social. As pessoas devotadas convivem em comunidades com indivíduos que acreditam
nas mesmas coisas e oferecem suporte emocional e, às vezes, até financeiro.
[3º] O terceiro fator é oimpacto que a religião tem na adoção de hábitos
saudáveis. Tanto os mandamentos religiosos quanto a vida em comunidade
estimulam a boa saúde. Os religiosos tendem a ingerir menos álcool, porque
circulam em um meio onde ele é mais escasso e com pessoas que bebem menos. Eles
também têm inclinação a não fumar. É menos provável que adotem um comportamento
sexual de risco, tendo múltiplos parceiros ou parceiros fora do casamento. Tudo
isso influencia a saúde e faz com que vivam mais e sejam mais saudáveis.
Também se beneficiam da fé os adeptos de religiões que
proíbem cuidados médicos, como é o caso das testemunhas de Jeová com a
transfusão de sangue?
A maioria dos estudos comprova que os benefícios de ser
adepto de uma religião são maiores que os malefícios. No caso das testemunhas
de Jeová, há pesquisas que mostram que a longevidade deles não é diferente da
dos católicos ou dos protestantes. Outro ponto importante é que não há tantas
testemunhas de Jeová no mundo. Os grupos religiosos que se opõem a cuidados
médicos são muito pequenos em comparação à grande maioria que se beneficia de
suas crenças religiosas.
Quem se toma religioso tardiamente também se beneficia?
Quem se toma religioso numa idade mais madura também se
beneficia, especialmente dos aspectos psicológicos e sociais. A vida passa a
ter mais sentido, a pessoa ganha apoio da comunidade, esperança e
interlocutores afinados com o seu jeito de ver o mundo. A consequência é a
melhora da qualidade de vida. A saúde física, no entanto, não será tão
influenciada porque não dá para apagar os anos de maus hábitos e os estragos
feitos pelo excesso de stress.
Ter fé não é o mesmo que seguir uma religião. Do ponto de
vista dos benefícios, isso também faz diferença?
Não adianta só dizer que é espiritualizado e não fazer nada.
É preciso ser comprometido com a religião para gozar seus benefícios. É preciso
acordar cedo para ir aos cultos, fazer parte de uma comunidade, expressar sua
fé em casa, por meio de orações ou do estudo das escrituras. As crenças
religiosas precisam influenciar sua vida para que elas influenciem também sua
saúde.
(...)
O senhor diz que quem vê Deus como uma entidade distante e
punitiva tem menos benefícios para a saúde do que quem o vê como um ser
compreensivo e que perdoa. Por quê?
A religião pode virar uma fonte de stress se aumentar o
sentimento de culpa ou gerar um mal-estar na pessoa por ela não conseguir
cumprir com o que a doutrina considera que são suas obrigações religiosas. Não
existem pesquisas que constatem isso, mas certamente um Deus punitivo, que
vigia e condena seus erros, vai elevar esse stress. Por isso, acho que faz
bastante diferença acreditar em um Deus amoroso e misericordioso.
Existem estudos que ligam a religiosidade profunda à
ausência da depressão psicológica. O senhor também registrou esse efeito?
Os pacientes que lidam melhor com suas doenças, perdas e
incapacidades ficam menos depressivos. Os religiosos suportam melhor suas
limitações porque a religião dá significado a essas circunstâncias difíceis. O
sofrimento adquire um propósito. O indivíduo não sofre sem razão nem se sente
sozinho. As religiões têm inúmeros exemplos de sofrimento: Jesus torturado e crucificado;
Jó, que perdeu bens, família, saúde; Maomé, que passou por momentos difíceis na
infância. Todos sofreram, e a fé os fez seguir adiante. Um estudo recente da
Universidade Colúmbia demonstrou que,quando são religiosos, filhos de pai ou
mãe depressivos têm menor risco de desenvolver depressão. Provar que pessoas
com fatores genéticos de risco podem ser protegidas pela religião é
sensacional.
Muitos pacientes terminais desenvolvem a espiritualidade
mesmo sem ter fé durante a vida. O que sua experiência revela sobre essas
pessoas?
O que podemos afirmar com segurança é que pacientes
religiosos toleram melhor o processo da morte. Eles acreditam que não é o fim
e, por isso, não ficam tão ansiosos. Sabem que vão para um lugar melhor, no
qual não sentirão mais dor ou mal-estar. Isso afeta a qualidade de vida da
pessoa no período terminal e melhora a relação dela com a família.
Qual sua opinião sobre as chamadas cirurgias espirituais?
Os charlatões tendem a se aproveitar de pessoas doentes e
desesperadas. Os pacientes que frequentam esses centros, em geral, não recebem
benefício algum e se sentem desapontados. Alguns chegam a se revoltar contra a
religião. O sofrimento acaba sendo maior porque, a partir do momento em que a
pessoa perde a confiança na sua fé, perde também a habilidade de se adaptar à
sua condição.
Um estudo da Santa Casa de Porto Alegre mostra que 70% dos
pacientes gostariam que o médico falasse sobre religião com efes, mas apenas
15% dos médicos o fazem. Por que isso acontece?
Os médicos não recebem treinamento apropriado sobre como
fazer a abordagem religiosa. Eles não sabem trazer o assunto à tona, nem como
responder a perguntas do paciente sobre religião. Nos Estados Unidos e também
no Brasil, ainda são poucas as faculdades de medicina que tratam do tema. A
medicina é considerada uma ciência e, historicamente, há uma grande divisão
entre religião e ciência. A religião é muito mais vaga e nebulosa do que a
medicina e, por isso, continua não levando muito crédito. Médicos tendem a ser
menos religiosos do que a população em geral, então eles não conhecem muito bem
o potencial da religião.
Como o médico deve falar de religião com o paciente?
É mais simples do que parece. Só de perguntar ao paciente
quanto a religião é importante na vida dele, o médico está abrindo caminho para
atender às suas necessidades espirituais. O paciente deve sentir-se confortável
falando sobre esse assunto com seu médico. O médico pode, naquele momento mais
especial, tentar saber das decisões que um paciente terminal espera dele em
situações-limite. Pode descobrir se o paciente terminal quer ser ressuscitado
em caso de parada cardíaca, se deseja receber tratamento extenuante prolongado
ou se prefere não estender o sofrimento. Ajuda muito o médico puxar assunto com
o paciente sobre o que ele pensa da existência dos milagres ou se quer receber
orações. O paciente tem de estar seguro de que o médico não vai ignorar ou
fazer pouco-caso de suas carências espirituais.
Como deve ser a abordagem com um ateu?
Eu não incentivaria nenhum médico a tentar converter um
ateu. Simplesmente porque essa abordagem não funciona. O médico deve apenas
conversar com o paciente e tentar compreender as causas que o levaram a ser
ateu. Médicos não são pastores ou padres. Nosso trabalho não é catequizar
ninguém, é tentar entender o paciente e como sua crença religiosa ou a falta
dela influencia sua recuperação e as decisões que vão ter consequências em seu
tratamento.