Relato de uma das experiências de Cecy Cony (1915) com seu Anjo da Guarda, da sua autobiografia "Devo Narrar Minha Vida".
Rezar de joelhos
Papai estava ainda na colônia Militar do Alto Uruguai. Ele morava só
com uma cozinheira e outra criada para tratar da casa, e mais o bagageiro. Dissera
em outra ocasião, que estranhava imensamente a ausência de papai, cuja
lembrança nunca me deixara. Pensava muitas vezes, mas minha saudade por papai,
que lá não tinha quem cuidasse bem dele, quando estivesse doente, e tantas
outras apreensões senti.
Era eu incapaz de adormecer, à noite, se não tivesse rezado
o terço inteirinho, por papai, quanto tivesse feito algum sacrifício “grande”.
E o meu último pedido ao meu Novo Amigo, antes de adormecer, era: Ide com papai e
ficai vigiando por ele, juntamente com o seu Novo Amigo. Só então adormecia em
paz.
Certo dia, mais do que nos outros, tive saudades de papai.
Os sacrificiozinhos se sucediam e mais de um terço foi rezado a Nossa Senhora.
Tinha mais saudades de papai, era só o que sabia. À noite, pedi a meu Novo
Amigo fosse ter com papai antes mesmo de eu adormecer. E depois que todos
dormiam, já tarde, despertei com pensamento em papai. Estávamos no rigor do
inverno. Pensei, já que não tinha sono, em rezar o terço por papai, porém,
mesmo deitada; com o frio não me dispunha a levantar-me e ajoelhar. Comecei a 1ª
dezena do santo terço, mas não cheguei a rezar 3 Ave-Marias. Como que um forte
impulso obrigou a me levantar; devia rezar de joelhos. Fi-lo. De joelhos, ao pé
da cama, rezei com a maior devoção que era capaz minha alma, numa firmíssima
convicção de que papai necessitava de oração. Rezei, não só um terço do santo
Rosário, mas ainda um “terço” de “Lembrai-vos que vos pertenço”, e um “terço”
de “Santo Anjo”.
Meu Novo Amigo até então não se manifestara. Não estranhei,
todavia, pois o mandara ir ter com papai. Ao terminar o “terço” do “Santo Anjo”,
recomecei um “terço” de “Glória ao Pai”, tão forte era a disposição que tinha
de orar, apesar do frio intenso que sentia, da escuridão e do silêncio
reinantes. No fim da dezena do “Glória ao Pai”, eis que sobre minha cabeça a
santa mão, como a me acariciar, como a dizer: “Basta, papai está salvo” (isso
sentia convictamente). Retornei à cama, e pouco depois, tornava a adormecer
numa paz santa, bem santa.
Passados vários dias, mamãe recebe uma grande carta de
papai, e tiras do jornal onde relatava o caso. Por uma falta cometida contra a
disciplina, papai prendera um soldado. Este, após ter terminado o tempo
correcional, foi posto em liberdade.
Duas ou três noites depois (justamente aquela noite em que
eu despertara para rezar) papai desperta com o ruído de fortes estalidos na
casa, e vê-se rodeado de enorme clarão. Percebendo que a casa estava em chamas,
salta da cama e quis passar à peça contígua para salvar papeis de importância.
Impossível! As chamas devoraram tudo assustadoramente. Tenta passar pela outra
porta, o mesmo. Tudo rodeado pelas chamas. Papai foi ainda quem deu o sinal de alarme, e veio enfim o
socorro. Feitas depois as investigações, foi desvendado o caso. O pobre
soldado, num sentimento de vingança, ateara fogo à casa; confessara-o depois.
Narrei esse fato, porque tenho a firme convicção de que fora
meu Novo Amigo quem salvara papai. Creio até que foi ele quem abrira a janela
para papai salvar-se. Como era meu costume, sem mesmo sabe-lo explicar, não
contei a ninguém o caso daquela noite dos santos terços. Sei apenas que meu
Novo Amigo me deixara rezando, enquanto papai fora salvo.
Meu Novo Amigo, seja o bom Deus glorificado na vossa santa
fidelidade. Amém.
***
Santos Anjos da Guarda, iluminai-nos!