quarta-feira, 9 de julho de 2014

O episódio do lobo de Gubbio (São Francisco)

Do livro "Eu, Francisco" (de Carlos Carreto), O primado da não-violência 




     O que há de extraordinário no episódio do lobo de Gubbio não é que ele tenha se amansado, mas sim que se tenham amansado os habitantes de Gubbio correndo ao encontro do lobo, que se aproximava esfaimado e friolento, não com foices e machados, mas sim com pedaços de comida e polenta quente.
     Aí reside a maravilha do amor: descobrir que a criação é um todo único, projetado por um Deus que é Pai; e se te apresentas como ele, desarmado e pleno de paz, a criação te reconhece e sorri para ti.
     E aí reside também o princípio da não violência, que eu gostaria de sugerir a vocês com todo o entusiasmo de que sou capaz.
     Eu, que já lhes disse que não falem muito de pobreza hoje, dada a ambiguidade em que vocês vivem e as dificuldades que hoje vocês podem ter para se explicar, circundados como estão por culturas burguesas e socialistas, agora lhes digo com toda a força: falem da não-violência, sejam apóstolos da não-violência, transformem-se em partidários da não-violência!
   Esta é verdadeiramente a hora para isso. E poderia ser até a última oportunidade, já que vocês estão sobre um depósito de bombas que pode saltar pelos ares a qualquer momento.
(...)
     O episódio do lobo de Gubbio não é uma historiazinha para fazer criança dormir. É a verdade mais extraordinária para a salvação dos homens, especialmente hoje, quando os homens estão instalados sobre depósitos de bombas.
     Cada homem tem do outro homem a imagem do lobo.
     Se se deixa tomar pelo medo e perde a calma diante dele, está tudo acabado: só resta disparar.
     Por isso, o perigo que vocês correm não é a maldade dos norte-americanos ou dos russos.
     O perigo que vocês correm é o medo de uns pelos outros.
     Conheço suficientemente os russos e os norte-americanos para achar que eles não tem a mínima vontade de provocar uma hecatombe.
     Mas conheço suficientemente o homem para saber que, se se deixar tomar pelo medo, tentará apertar o botão da destruição por medo de que outro aperte primeiro.
     Agora que, com seu talento, o homem conseguiu ter o que desejava e que, com sua técnica, conseguiu superar os limites que o continham antes, agora então é que emerge a verdade, a única verdade: o mal e a violência estão no medo do outro homem.
     Se o homem fizer a guerra, é porque terá sentido medo de alguém.
     Então, se vocês acabarem com  medo e restabelecerem a confiança, terão paz.
     A não-violência consiste na destruição do medo.
     Eis porque digo-lhes agora, eu Francisco: aprendam a vencer o medo com eu fiz aquela manhã, andando ao encontro do lobo com um sorriso.
     Vencendo a mim mesmo, venci o lobo.
     Domando os meu maus instintos, também domei os seu; esforçando-me por confiar nele, descobri que ele também tinha confiança em mim.
     Minha coragem estabeleceu a paz.

C. Carreto, eu, Francisco. 8ª Ed. São Paulo: Paulus, 2003. p. 163-164. 173-175
Livro escrito em comemoração aos 800 anos de São Francisco de Assis; o autor escreve na primeira pessoa para expressar mais perfeitamente a biografia de São Francisco

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